O saber e o saber fazer
do professor
Ana Maria Pessoa de Carvalho
Daniel Gil Perez
Desde o final da década de 70, a sociedade educacional
brasileira discute, em suas várias associações, a formação de professores
procurando nortearo que existe em comum nessa formação para os
diversos níveis de ensino. Segundo Brzezinski ( 1996),
...quanto à consecução de
uma formação inicial de qualidade, o Movimento Nacional,
em sua trajetória, procurou traçar uma pauta mínima e não um projeto
acabado para apoiar o trabalho das experiências de reformulação
curriculares que foram se efetivando. (p. 202)
Essa pauta mínima, também denominada de base comum
nacional, está assentada em cinco eixos:
1) sólida formação teórica;
2) a unidade teoria e prática, sendo que essa relação
diz respeito ao como se dá a produção de conhecimento na
dinâmica curricular do curso;
3) o compromisso social e a democratização da
escola;
4) o trabalho coletivo;
5) a
articulação entre a formação inicial e continuada.
Neste capítulo, vamos nos debruçar nos dois primeiros eixos da base
comum nacional visando nos aprofundar no saber e no
saber fazer dos professoresdas licenciaturas, isto é, nos saberes
necessários para uma sólida formação teórica e nas relações teoria e
prática que proporcionam as condições para o saber fazer dos professores
que irão ensinar um determinado conteúdo (Português, Matemática,
Historia, Física, etc.) na escola fundamental e média.
Podemos distinguir três áreas de saberes necessárias para proporcionar
aos professores uma sólida formação teórica (Carvalho c
Vianna, 1998):
· os saberes
conceituais e metodológicos da área que ele irá ensinar:
· os saberes
integradores, que são os relativos ao ensino dessa área;
· os saberes
pedagógicos.
A cada um deles está relacionado um saber fazer, ou seja,
uma relação teoria e prática - teorias diferentes requerem práticas
diferentes.
6.1 Os Saberes Conceituais e Metodológicos da Área Específica
Quando trabalhamos com professores, quer nos cursos de
formação inicial, quer nos de formação continuada e lhes fazemos a
pergunta: "O que deve saber e saber/fazer um professor para ser
um ótimo profissional" (Carvalho et Gil, 1993), sempre obtemos uma
resposta em primeiro lugar: “ele deve saber o conteúdo que
irá ensinar". Depois, se organizarmos uma discussão
em grupo em que os professores possam discutir com seus colegas, muitos
outros saberes vão sendo elencados, tais como: saber preparar
as aulas, dirigir as atividades dos alunos; ter boa interação em
classe, isto é, entender o que os alunos dizem e
se fazer entender por eles, saber avaliar, escolher dentro do
currículo apresentado pela escola o que é mais significativo etc.
Mas os grupos de professores reunidos ainda ratificam que
saber o conteúdo a ser ensinado é o fator mais
importante que caracteriza um bom profissional.
Mas o que é saber o conteúdo a ser ensinado?
Essa também é uma discussão bastante interessante a
se fazer com os professores. A primeira fonte de conhecimento
citada nas discussões é olivro-texto, mas será que basta
conhecermos bem o conteúdo apresentado nos livros-textos universitários
para sabermos preparar uma aula para o curso médio? Ou sabendo o conteúdo
apresentado nos livros do curso médio estamos preparados para ensinar no curso
fundamental? Será que o conteúdo a ser trabalhado nos
cursos fundamental e médio deve ser o mesmo do superior, somente em um nível mais
simples? O que significa "em um nível mais simples”?
Análises feitas nos livros didáticos para adolescentes têm
mostrado que, na procura de "simplificar o conteúdo”, seus autores
somente tornam estes muitomais áridos e difíceis que os
usados por universitários (Castro, 2000; Espinosa e Carvalho, 1991).
Na grande maioria dos livros didáticos para os níveis fundamental e médio, o
conteúdo é apresentado através do encadeamento de uma série de conceitos,
em uma seqüência lógica que nem sempre éexplicitada, discutida e/ou justificada.
Além disso, os conceitos são introduzidos a partir de suas
definições, de suas equações matemáticas ou de seusgráficos, sem
nenhuma descrição das necessidades intelectuais que levaram
os cientistas a construí-los.
Todos os trabalhos de pesquisas existentes mostram a gravidade causada por
uma carência de conhecimentos da matéria pelo professor,
transformando-o em um transmissor mecânico dos conteúdos de livros
textos.
Para que o professor possa fazer uma crítica fundamentada
nos livros-textos e ao ensino tradicional, estando apto para inovações
curriculares que estão acontecendo no ensino, ele precisa dominar os
saberes conceituais e metodológicos de sua área, o que,
para nós, - centrando-nos, a título de exemplo,
na Educação científica -, significa (Carvalho e Gil, 1993):
- Conhecer os problemas que originaram
a construção de tais conhecimentos e como chegaram a
articular-se em corpos coerentes,evitando assim visões estáticas
e dogmáticas que deformam a natureza do conhecimento. Se trata,
portanto, de conhecer a história dasciências, não só como suporte
básico da cultura científica, mas, principalmente, como uma
forma de associar os conhecimentos com os
problemas que originaram sua construção, sem o qual
tais conhecimentos aparecem como construções arbitrárias. Se pode,
assim,conhecer quais foram as dificuldades, os obstáculos epistemológicos
que se teve de superar, o que constitui uma ajuda
imprescindível para compreender as dificuldades dos estudantes,
-Conhecer as orientações metodológicas empregadas na
construção dos conhecimentos, isto é, conhecer a forma
como os cientistas colocam e tratam dos problemas de seu campo
do saber, as características mais notáveis
de sua atividade, os critérios de validação e aceitação
de suas teorias.
-Conhecer as interações Ciências/Tecnologia/Sociedade associadas a
construção de conhecimentos, sem ignorar o frequente carater conflitivo dessa
construção e a necessidade da tomada de decisão.
-Ter algum conhecimento dos desenvolvimentos científicos recentes e
suas perspectivas, para poder transmitir uma visão dinâmica do conteúdo a ser
ensinado.
-Adquirir conhecimentos de outras disciplinas relacionadas, de tal forma que possa
abordar problemas transdisciplinares, a interação entredistintos
campos e também os processos de unificação.
Temos consciência de que essa visão do que seja “conhecer o conteúdo que se deve
ensinar" é inovadora para muitos professores e/ou futuros
professores, pois são poucos os cursos de
graduação em que encontramos disciplinas que
discutam essas problemáticas e que façam uma estreitaligação entre o
conteúdo específico e as reflexões históricas
e filosóficas de sua produção.
Para essa área do saber - saber
conceitual e metodológico do conhecimento específico -, a
relação teoria e prática não é feita em relação ao ensino
desse conteúdo, mas sim ao próprio desenvolvimento
metodológico do conteúdo. Assim, por exemplo, para a Física, a
prática é feita nos laboratóriosde Física, para
a História, a prática dos alunos é feita nas
bibliotecas, nos museus e centros de documentação. A prática, ou o
saber fazer, estáintrinsecamente relacionada com
a forma de produção do conhecimento na área.
Este é um ponto bastante importante na formação inicial e
permanente dos professores, pois várias pesquisas têm mostrado (Tobin
e Espinet,1989;Ostermann e Moreira, 2000; Terazzan et
al, 2000) que a principal dificuldade para
que os professores se envolvam realmente na implantação de
propostas inovadoras é a falta de domínio das
questões fundamentais do conhecimento. Nas duas últimas pesquisas citadas, onde procuravam
introduzirconceitos da Física Moderna nas escolas médias, chegou-se
à conclusão de que todas as formalizações matemáticas, que os
professores em formação dominavam dessa disciplina, não foram
suficientes para que eles pudessem ensinar os conceitos no nível médio.
Existe uma forte correlação entre "conhecer o conteúdo
que se deve ensinar', isto é, o domínio do conteúdo
pelo professor e como esse conteúdo deve ser trabalhado com o
aluno, isto e, o conteúdo escolar.
Quando os professores conhecem o conteúdo que pretendem ensinar,
abrangendo os cinco pontos que propusemos acima, ele terá
condições de planejar um ensino que alcance o
conceito de "conteúdo escolar" sugerido
por Coll (1992). Propondo romper com um ensino centrado apenas
na memorização mais ou menos repetitiva de fatos e na
assimilação mais ou menos compreensível de conceitos e sistemas
conceituais, este autor amplia o conceito de conteúdo escolar
incluindo os aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais e sugere que
o professor planeje e desenvolva atividades deensino que permitam que seus
alunos trabalhem de forma inter-relacionada esses três aspectos do conteúdo.
6.2 Saberes Integradores
O saberes integradores são os relacionados ao ensino dos conteúdos
escolares e são provenientes das pesquisas relacionadas na área de ensino doconteúdo específico. Estas
pesquisas têm tido um enorme crescimento nos últimos
anos, internacional e nacionalmente, refletindo todo um esforço,
emtermos brasileiros, na produção desses conhecimentos que em sua
maior parte são desenvolvidos nos cursos de Pós-Graduação por
professores ou ex-professores dos ensinos Fundamental e Médio
interessados em entender como se ensina e se aprende
um determinado conteúdo e em detectar os principais problemas
enfrentados na formação de professores criativos para essas áreas.
Essas pesquisas têm sido apresentadas c discutidas nos Encontros e Simpósios sobre o
ensino das áreas específicas, como, por exemplo,
os Encontrosde Pesquisa em Ensino de Física,
os Encontros de Pesquisadores de Ensino de Ciências,
os Encontros de Ensino de Matemática, os Encontros de Pesquisa
de Ensino de Historia, os Encontros Nacionais de Ensino de Geografia,
as reuniões: Perspectivas do Ensino de Biologia, também dentro das
reuniões das sociedades científicas como nas Reuniões da Sociedade
Brasileira de Química e nas da Associação Nacional de Professores de
Historia (ANPH U).
Um dos resultados significativos provenientes das pesquisas em
formação de professores é o que indica que um dos obstáculos
para o professor adotaruma atividade docente inovadora e criativa, além
da já discutida falha no domínio do conteúdo,
são suas idéias sobre ensino e aprendizagem, ou seja, "... as idéias
docentes de senso comum" (Carvalho e Gil, 1993). Essas
pesquisas mostram que os professores têm idéias, atitudes
e comportamentos sobre o ensino, formados durante o período em que
foram alunos, adquiridos de forma não-reflexiva, como algo
natural, óbvio, escapando, assim, à crítica e se transformando
em um verdadeiro obstáculo para uma mudança didática.
É necessário colocar problemas, questões, ou seja, atividades
desequilibradoras, para que os professores tomem consciência da importância que
esses aspectos tem no desenvolvimento do ensino e da aprendizagem do
conteúdo.
Costumamos desenvolver com professores, em nossos cursos de
formação inicial ou em serviço, uma atividade em que
buscamos sensibilizá-los para o fato da aridez e
da não-significação, para os alunos, dos conteúdos tradicionalmente apresentados nos
cursos médios. Propomos a esses
professores (ougraduandos) entrevistarem cinco profissionais liberais
em cujos respectivos cursos de graduações não constam a disciplina enfocada na
pesquisa; desse modo, a ultima vez que o entrevistado estudou esse
conteúdo foi realmente no curso médio. Escolhemos profissionais liberais porque
esses passaram por um vestibular, o que já pode ser visto como uma avaliação do
seu ensino médio. A entrevista tem uma questão fundamental: "...
o que você lembra da'física' que lhe foi ensinada no
curso médio"? A partir da resposta a essa questão, outras vão
sendo formuladas para avaliarmos o conhecimento adquirido nesse período.
() resultado que costumamos obter é
muito desestruturador. Os entrevistados, em sua grande
maioria - mais de 70 % de nossa amostra -, não lembram de
nada do que estudaram no curso médio ou lembram somente dos nomes dos
principais tópicos estudados - por exemplo: lembram que estudaram
dinâmica, óptica, eletricidade e mais nada. O restante
lembra de maneira muito geral do conteúdo que lhe foi apresentado,
não podendo, entretanto, explicar nenhum dos conceitos-chave. Nessa
mesma entrevista, procuramos caracterizar o papel do professor e
encontramos sujeitos que gostarammuito de seus professores e que achavam que eles tinham
lhes ensinado muito bem, mas, mesmo nesses casos, eles não conseguiam
lembrar os principais conceitos do conteúdo estudado.
A discussão dos resultados obtidos nas entrevistas leva a uma
crítica fundamentada em relação ao como o conteúdo é tradicionalmente
desenvolvidonas escolas. Voltamos a questionar esse ensino em que o
contendo é transmitido de uma forma dogmática e a relacionar o
conteúdo dominado pelo professor com o conteúdo escolar por
ele ensinado.
Iniciamos, então, um questionamento sobre a forma como
tradicionalmente são introduzidos os conceitos, os trabalhos
práticos e os problemas. Levantamos as questões das relações do
ensino do conteúdo com os aspectos históricos e sociais e, principalmente,
a questão de que o conteúdo escolar, proposto aos nossos jovens, não pode
se reduzir a uma coleção de fatos, conceitos, leis e teorias como
tradicionalmente são apresentadas aos alunos, Dessa maneira, na
melhor das hipóteses, o que realmente permanece com os alunos,
no final da escola média, é uma visão
reducionista e neutrado que seja produção de conhecimento pela
humanidade (Gil, 1993).
Na verdade, o professor precisa saber analisar criticamente o ensino tradicional, sendo que essa análise não é fácil, pois requer uma
ruptura davisão da docência recebida ate o momento.
Várias atividades na formação do professor devem
ser direcionadas para esse fim e aqui aparece de modo bastante forte: a relação entre a teoria e a
prática, entre o saber e o saber fazer. Os
professores não só deverão saber analisar criticamente o ensino tradicional como também
fazer atividades renovadoras. Isto obriga que estas propostas sejam
vividas e vistas em ação, por exemplo, videogravadas (Carvalho,
1999).
Outro foco das pesquisas em ensino, que tem produzido
resultados solidamente estabelecidos, é o que mostra a existência de
concepções espontâneasdifíceis de serem substituídas, durante o
ensino, por conhecimento científico. Estas pesquisas tiveram
grande desenvolvimento na área do ensino de Física, tendo já aparecido na
literatura dirigida aos professores, livros e artigos, sistematizando
os resultados obtidos e mostrando as principais concepções
espontâneas encontradas nos conteúdos ensinados nas escolas fundamental e
média. (Driver, Guesnes e Tiberghien, 1985; Scott, Asoko,Driver, 1998).
Essa linha de pesquisa estendeu-se, primeiramente, para as
áreas de investigação em ensino
de Química, onde também já encontramos trabalhos de
revisão de literatura sobre esse tópico. Na área de pesquisa em
ensino de Geografia, muitas investigações foram realizadas no Brasil,
como, por exemplo, a que estuda como é feita a leitura dos mapas
pelas crianças (Oliveira, 1977 e Cecchet, 1982) e a que procura
descobrir como as criançasconstroem as noções de latitude e
longitude (Góes, 1983), Também no ensino de Cartografia, várias
pesquisas foram feitas visando entender opensamento dos alunos
(Paganelli, 1987; Simielli, 1996; Castelar, 1996).
Na área de ensino de línguas, no nosso caso o ensino de
Português, esse mesmo objetivo de pesquisa - conhecer como
os alunos pensam os conceitosfundamentais do conteúdo a ser ensinado na
escola - também teve um grande desenvolvimento apesar de ter base teórica
diferente. Aqui, a produção desse
conhecimento sofreu maior influência dos trabalhos sobre a
psicogênese da língua escrita desenvolvidos por Ferreira e
Teberosky (1985).
Mas, quaisquer que sejam os representantes teóricos que deram
origem a essas pesquisas, o professor precisa conhecer os seus resultados,
ou seja,saber da existência das concepções espontâneas ao planejar o seu
ensino e ter consciência de que seus alunos chegam às aulas com
conhecimentos empíricos já constituídos e, portanto, não são uma
"tábula rasa". Eles vão sempre compreender a proposta de
ensino do professor a partir de seus esquemas conceituais prévios.
As pesquisas em concepções espontâneas deram origem a uma
nova linha de investigação, que procura determinar as condições de
ensino e de aprendizagem para se obter uma mudança ou uma evolução
conceitual (Silva, 1989; Teixeira, 1983; Mortmimer, 1994;
Barros, 1996). Essas propostas de ensino partem de um
referencial construtivista, isto é, orientam a aprendizagem dos
alunos como uma (re)construção de conhecimento a partir de seus conceitos iniciais, mas
que vão evoluindo para os conceitos científicos através de atividades de
ensino nas quais situações problemáticas de interesse dos alunos são
colocadas e a metodologia da produção do conhecimento é respeitada. Como
afirmam Driver e Oldham ( 1986), talvez a mais
importante implicação do modelo construtivista seja "conceber
o currículo não como um conjunto de conhecimentos e habilidades,
mas como um programa de atividades através das quais esses conhecimentos e
habilidades possam ser construídos e adquiridos."
Dentro dessa perspectiva, o professor precisa saber preparar um
programa de atividades que leve seus alunos a construir os
conhecimentos, habilidades e atitudes do conteúdo que se propõe a ensinar
(Gil et al., 1999;Carvalho et al., 1998).
Se a relação teoria – prática é importante na construção do conteúdo
específico, essa mesma relação torna-se imprescindível em relação ao
domínio dos saberes integradores. Agora, a prática se dá na escola, nos
estágios dos cursos de graduação, onde os professores vão procurar
estabelecer um vínculobastante forte entre o saber e o saber fazer.
É preciso que os professores saibam acerca dos conceitos
espontâneos, mas é preciso também que eles saibam fazer, através de questões
problematizadoras bem formuladas, com que os alunos explicitem suas concepções espontâneas
e que essas apareçam com um status de hipótese a serem
testadas e não como um confronto entre a idéia pessoal do aluno e a idéia
científica.
É preciso que os professores saibam construir atividades
inovadoras que levem os alunos a evoluírem, nos seus conceitos, habilidades e
atitudes, mas énecessário também que eles saibam dirigir
os trabalhos dos alunos para que estes realmente alcancem
os objetivos propostos. É importante o envolvimento dos participantes em atividades de
ensino que sejam problemáticas para os alunos a que se destinam. Tais
atividades, além de possibilitar a vivência de propostas
pedagógicas inovadoras, fazem com que os professores se interem dos
detalhes e dificuldades que essas propostas colocam. ()saber fazer nesses
casos é muitas vezes, bem mais difícil do que o fazer (planejar
a atividade) e merece todo um trabalho de assistência e
análise críticadessas aulas (Carvalho, 1996). Este saber
fazer, que quase sempre se dá nos
estágios supervisionados nas escolas fundamental e
média, precisa ser pensado como um laboratório onde os
professores vão testar suas hipóteses de ensino, onde a relação
teoria-prática deve estar sempre presente.Todos os conceitos de
"reflexão na ação" e "reflexão sobre a ação" (Schon, 1992; Zeichner, 1993) podem
e devem ser estimulados durante os estádios.
Outra linha de pesquisa proveniente dos estudos sobre mudança conceitual é aquela que
investiga as discussões em sala de aula: dos alunos entre si
edos alunos com o professor (Mortimer e Machado, 1997;
Mortimer, 1998; Scott, 1997). O professor tem uma linguagem
própria, que é a das ciências ensinadas na escola, construídas
e validadas socialmente; uma das funções da escola
é fazer com que os alunos se introduzam nessa nova linguagem,
apreciando sua importância para dar novo sentido às coisas que
acontecem ao seu redor, entrando em um mundo simbólico que representa o mundo
real (Driver e Newton, 1997).
Para que ocorra uma mudança na linguagem dos alunos - de uma
linguagem cotidiana para uma cientifica -, os professores precisam dar
oportunidade aos estudantes de exporem suas idéias sobre os fenômenos
estudados, num ambiente encorajador, para que eles adquiram
segurança e envolvimento com as práticas científicas. É, portanto,
necessária a criação de um espaço para a fala dos alunos nas aulas.
Através da fala, além de poder tomar consciência de suas próprias idéias, o
aluno também tem a oportunidade de poder ensaiar o uso de um novo
gênero discursivo, que carrega consigo
características da cultura científica (Capecchi e Carvalho, 2000).
O professor precisa saber que aprender é também
apoderar-se de um novo gênero discursivo, o
gênero científico escolar; para isso, ele precisa saber
fazer com que seus alunos aprendam a argumentar, isto é, que eles sejam
capazes de reconhecer as afirmações contraditórias, as evidências que dão
ou não suporte às afirmações, além da capacidade de integração dos méritos de
uma afirmação. Este ambiente é propício para que os alunos passem a refletir sobre
seus pensamentos, aprendendo a reformulá-los através da contribuição dos
colegas, mediando conflitos através do diálogo e tomando decisões
coletivas.
Temos que assinalar, por último, sem querer ser exaustivo, que os
professores precisam também, para ser um bom profissional,
dominar os saberes pedagógicos.
6.3 Saberes Pedagógicos
Os saberes pedagógicos abrangem um espectro bastante
amplo. Alguns estão relacionados ao ensino dos conteúdos escolares,
mas são provenientesde pesquisas nos campos da Didática Geral e
da Psicologia da Aprendizagem e intimamente relacionados
com os acontecimentos dentro da sala de
aula, influenciando diretamente o ensino e a aprendizagem de
todos os conteúdos. Para vários autores, esses saberes pedagógicos podem ser
pensados como saberes integradores, pois aparecem frequentemente nas
pesquisas sobre ensino e aprendizagem nas áreas dos
conteúdos específicos. Como exemplo, podemos citar: o saber
avaliar, o compreender as interações professor-aluno, o conhecer o caráter
social da construção do conhecimento, etc.
Outros saberes vêm das pesquisas que estudam a escola e o ambiente
escolar de maneira mais ampla, os professores e os problemas de sua
profissionalização, mas cujos fatores influenciam professores e
alunos, ensino e aprendizagem. São as pesquisas que estudam,
por exemplo, a violência na escola, o ambiente das organizações
escolares favorecendo ou dificultando o trabalho desenvolvido em
sala de aula, o
clima generalizado defrustração associado às atividades docentes,
suas expectativas como profissional e em relação aos alunos.
Não vamos, neste capitulo, nos aprofundar nos saberes pedagógicos,
pois eles estão sendo apresentados e discutidos com uma
profundidade muito maior do que poderíamos aqui apresentar em vários
outros textos desse livro.
O que temos que acrescentar é que o professor precisa também
construir o saber fazer em relação a esses saberes e que
o locus para obtenção de dados que potencializam a
relação teoria- prática é, ainda, a escola. Atividades de estágio direcionadas
para essa análise crítica da escola e de seuambiente devem fazer parte da ação de todos
os professores.
Vamos
apresentar, como exemplo para discussão, uma aula que transcrevemos de um curso
de Física dado para uma escola estadual na cidade de São Paulo (2ª série do curso médio).
A necessária preparação da aula, os diálogos dos
alunos e do professor permitem uma reflexão sobre os saberes do
professor para alcançar os objetivos didáticos de uma proposta inovadora.
6.4 Um Exemplo: Atividade onde Discutimos Ciência,
Tecnologia e Sociedade em uma Aula sobre Telescópio e
onde Apresentamos os Saberes do Professor e o seu Saber Fazer
Nas propostas atuais de ensino de ciências, em que se pretende
levar os alunos a construir o seu conhecimento através de uma integração
harmônica entre os conteúdos específicos e os
processos de produção desse mesmo conteúdo; a introdução de
atividades que discutam os problemas de Ciência,Tecnologia e Sociedade
(C/T/S) tem um fator de destaque (Carvalho e Vannucchi, 1999).
Elaboramos esta atividade com a intenção de verificar como os estudantes discutem sobre Ciência
quando lhes é proposto um tema controverso, no caso, as redações entre Ciência c Tecnologia,
com base no episódio do aperfeiçoamento da luneta por Galileu Gal i lei, no século
X
VII.
Enquanto o senso comum atribui relação causal entre desenvolvimento
científico e tecnológico, sendo a Ciência considerada matriz da
Tecnologia (Díaz,1995), no episódio da luneta esse modelo não apenas não
se aplica, mas trata exatamente do contrário:
embora Galileu tenha aperfeiçoado a luneta a ponto de permitir a
realização de observações astronômicas que determinaram uma nova etapa
para a Astronomia, a Ciência da época não explicava por que e
como funcionava aquele aparato.
Embora Galileu tenha transformado a luneta débil em poderoso instrumento de pesquisa,
ele o fez por ter sido o primeiro a polir lentes
objetivas delongo alcance com qualidade suficientemente boa
(Cohen, 1992), o que indica que, se uma relação causal foi estabelecida
para este episódio, o instrumento tecnológico terá permitido novas
possibilidades à Ciência.
Na elaboração da atividade de ensino foi selecionado um diálogo, escrito por Stillman Drake
(1983), travado entre contemporâneos imaginários deGalileu sobre o episódio do
aperfeiçoamento da luneta.
A atividade foi proposta para turmas de segundo ano colegial de uma
escola pública de São Paulo, Brasil. As aulas foram filmadas em vídeo
etranscritas. Em uma primeira aula, os alunos leram o
texto e discutiram as questões colocadas
ao final, em grupos de 4 a 5 pessoas. Vamos apresentar
alguns momentos da aula seguinte, quando o professor abriu a discussão
para toda a classe, a fim de analisarmos essas seqüências da
aula (esses dadosforam retirados de Vannucchi, 1996).
Referência:
CARVALHO, ANA. M. P. de, Daniel Gil Perez. O saber e o saber fazer dos
professores. In: CASTRO, A. D. de; CARVALHO, A. M. P. de (org.)Ensinar a
Ensinar - Didática para a Escola Fundamental e Média. São Paulo: Pioneira,
2001, pp. 107-121.